Toda cidade tem seus pontos de encontro tradicionais, onde pessoas se reúnem para debater diversos temas. Normalmente, esses locais são cafés, bares, praças, mercearias de esquina e clubes. Mas, em Areia Branca, um desses lugares fugia do habitual. Era a Velha Calçada da Alfândega, ao lado do Mercado do Peixe, na Rua da Frente.
Calçada da Alfândega em foto recente. O aspecto de foto antiga foi dado por computação gráfica. |
À tarde, quando se faziam as primeiras sombras, começavam a chegar os mais ansiosos apreciadores de uma boa conversa. Eram tempos áureos da vida marítima e da pesca artesanal areia-branquenses, quando barcaças de madeira, canoas e botes tinham um enorme peso na sustentação da economia local. E, ali, na velha Calçada, juntavam-se marinheiros, estivadores, comerciantes de pescado, donos de bote, marchantes, carpinteiros, calafates, pescadores, carroceiros e muitos outros. Falava-se de tudo, desde negócios, comércio, trabalho, política e esporte até o tamanho do maior peixe já fisgado. O debate poderia ser sobre coisa séria ou apenas por diversão. Não havia regra. E, na maioria das vezes, o resultado eram momentos agradáveis.
O principal coadjuvante ao bate papo era jogar dominó. E, às sombras do prédio da Alfândega, formaram-se muitos especialistas no assunto. Fazia-se platéia para assistir às partidas, com direito a gritos de guerra, a doses de cachaça ou a uma cerveja. O álcool, aliás, era outro adjunto do entretenimento. Ele foi, naquele local, o combustível de euforias e alegrias, mas, infelizmente, foi, também, a razão da destruição de muitos encéfalos e de muitos lares.
Dos banquinhos improvisados na Calçada com paralelepípedo ou tronco de madeira, viu-se passar o tempo em Areia Branca. Assistiu-se ao nascimento e à morte de muitas gerações, ao lançamento ao mar de muitas embarcações recém construídas e ao desaparecimento de outras tantas. Foi um lugar onde se formou e modificou-se opiniões e tendências, onde se viveu a mais pura essência de ser areia-branquense.
Calçada da Alfândega em foto recente. |
Mas, inevitavelmente, os novos tempos transformaram a realidade de Areia Branca. A pesca artesanal se encontra em decadência. As alvarengas de madeira perderam o lugar para as modernas barcaças de ferro. A indústria salineira cresceu e tornou-se mecanizada. Reuniões e debates agora são feitos pela internet. Carpinteiros navais, calafates, estivadores, carroceiros e donos de bote estão em extinção. E hoje, por ali, na Velha Calçada da Alfândega, quase em ruínas, mesmo que ainda se veja um ou outro sentado, conversando, não é nada como antes. Aquela época de ouro, há anos, passou e, provavelmente, nunca voltará. Viverá apenas em nossas lembranças, alimentando nossas saudades.
1 comentários:
Marcelo, gostei muito desta crônica. Morei na Rua da Frente, e passei muito por ali, por volta dos meus 9 a 10 anos.
Postar um comentário